terça-feira, novembro 30, 2004

saga acéptica

não era para ser fácil crer nesta história, mas a voz tornou-se perpétua, uma frase longamente concisa, e nada mais ficou tão obscuro. é incrível que as palavras façam de mim um momento seguinte. e continuam após. nunca me dão o tempo para entender, mesmo sendo as mesmas que se entoam. canso de me perguntar o que fui fazer com as tais respostas. mas para que a continuação enfim? a história anda de qualquer jeito, nem ela mesma se crê. tento ser mais dócil com o destino, e ele necessita me convencer que tudo o que há nela escrito faz parte de outra coisa. coisa de que não me acostumei. ora a rapidez dos capítulos, ora a pluralidade daquela voz.

não há terceira pessoa

enquanto as flores machucavam suas mãos era possível revelar ao outro a sensibilidade que lhe era autêntica. vinham depois inundações de poesia para acompanharem-na e faze-la se identificar com a inundação dos seus próprios furores. a dor ficava mais bela. mas logo ela pareceu impenetrável aos olhos que almejavam a hora da colheita, nem notara os espinhos, mastigou-os com a mesma doçura que os chorava. deixou-se deitar e rolar sobre eles, de forma que eles também a mastigassem, como aqueles olhos sempre fizeram. não era preciso escolher a razão para entregar-se à prazerosa dor, já havia colhido as sensações de outrora e saboreou uma conduta jamais apreciada. tornava ali um pouco do que não cumpria à sua fragilidade, vestia algo que não era a sua pele, era duro e pegava fogo sem se alastrar. então, ela foi desaparecendo, como os olhos já não pudessem mais vê-la.

contato sob entrelinhas

em algum momento do dia, eu pensei em querer, mas isso seria possível se fosse óbvio. querer é preto no branco, é alguém que grita e outro que dorme acorda. tenho minhas razões para sabê-lo, pois se está tão claro e o grito vira peça de antiguidade, exposta à luz da praça, é sinal que o querer virara uma lenda. uma quase certeza. enquanto a impossibilidade vai adquirindo sua forma, entretenho a linha do esquecimento, e as motivações encontram caminhos sei lá por onde, e logo chegam à qualquer explicação adequada para este desejo fazer algum sentido. apesar da distancia entre a sanidade e o sonho ser meramente um eco disseminado, o meu querer é ainda a base dos dias. 23/11/2004

terça-feira, novembro 09, 2004

diamante amante do dia

contentava-se em ter vontade de trançar os fios de cabelo numa noite de lua nova, acender uma vela na outra e percorrer os dizeres que fariam alguma justiça para o tal estado de espírito da mulher que crê no sentido da noite corrente. é uma justificativa para o tempo em que se manteve isenta de outras justificativas? vestia um vermelho de cetim quando abriu a janela e dali apreciou as partículas notívagas que saltavam de sua cabeça envoltas às divagações precisas sobre o que é contornar a vida ligada a um epicentro por um umbigo de ilusão. era derradeira a maneira que se prostrava diante de outro ser na véspera de seus dias, nada queria lembrar àquele o quanto precisou do biombo fantástico, superficial e transparente para dançar as lamúrias de outrora. é justo compreender as razões que levaram-na para a dimensão contrária à sua natureza... foi um dia em que se viu com o pincel sem cerdas na mão pintando uma gota ácida na fechadura do seu baú evaporado de sanidade, e conseguiu abri-lo tirando de lá tudo o que já não o continha... então respondeu ela com veemência: não, não existe essa justificativa que pertence a mim, nem outras. penso agora que antes não existiu também, e não há alma que me convença a procurar as telhas quebradas por onde deixei alguns sapatos solitários. prefiro andar descalça, os vidros cortam o que não sentem, como eu.
a janela permaneceu aberta enquanto dormia e às nove em ponto percebera que o sol batia em sua estante de livros.

segunda-feira, novembro 01, 2004

vislumbre ativo de um corpo em repouso

isso é tudo sobre meu entusiasmo que se esconde atrás das relações, dos dias mal contados, da mudança brusca do tempo e da imagem que se forma através de mim. tenho estado com as palavras na ponta da língua, o ato na ponta dos dedos e num lapso de memória ou outra coisa que retarda os meus sentidos, deixo tudo para depois. espero que amanhã seja tão claro quanto agora eu o programo. pois ele se veste de azul e ouro, reluz as sólidas perspectivas de sons, cheiro e uma leve brisa nos cabelos insinuando alívio. ocupar os dias com a sinopse dos meus sonhos tornou-se obsoleto e andar com as mãos enfiadas nos bolsos vazios é uma idéia para os papéis, personagem de mim que não consta no desenlaçar dos acontecimentos seguintes. pertence a mim a inspiração para tecer o cotidiano e parir com ele as criações dos meus propósitos. esquecer disso e cruzar os braços é deveras mais difícil do que tomar as rédeas do livre arbítrio. a contradição, porém, nos trai a certeza. sempre.
as madrugadas já não me servem mais, somente esta que me espera adiante.