sábado, janeiro 29, 2005

orvalho ou vício de sereno

sou convidada desta noite que venta cuidadosamente, balança os pingentes de metal na varanda da linda vista, e traz e leva as nuvens chorosas no seu encalço.
ela veio molhada do dia que se prostrou monótono com o silêncio das águas caindo, passando, umedecendo os caminhos de pedra e encharcando a terra dos anuros. que como cantam nesta noite! e manifestam-se em cada quintal da rua da linda vista. que de vista é linda deveras... a aleatoriedade dos pinguinhos dourados são postes de luz da velha cidade, sobre o preto desta noite inspirando estrelas ao chão. ai...é um universo de pernas para o ar, embora não seja um equívoco estar assim. a noite preserva a frescura do que se pensa ou é sentido. torna-se objeto de contemplação e desliza entre os reflexos da atenção apaixonada ao se imaginar tocando-o, envolvida na melodia quase inaudível de um cão que ladra ao longe a outro solitário de lá, de um carro que sobe manso uma ladeira esquecida, e de um pássaro insone a clamar nossa existência febril. os pingentes e os sapos são os trovadores por excelência do vento e da chuva a me atravessar as horas preenchidas de extensas constatações.
assistir a esta noite conta como um acaso imprescindível que tranqüiliza as vontades dos deuses e resplandece nos corações inquietos.

cautela...

eu, quando escrevo, mudo de idéia facilmente.

ao passo do crepúsculo

vinda a noite propicia a calma das romarias internas. prometo não ejacular mais preces, cansei de esperar a chuva passar e comprei uma sombra de pano. ela molha e goteja em mim o cansaço do mar.
e de vapores eu sinto saudades. e de saudades esqueço a que vim.
no entanto, não preciso emergenciar as minhas desculpas, elas estão em prazo de validade. como o mel que avança em minha direção e nada adoça o dia.
e de dias dispenso a chuva, agora a noite é que me acalenta das romarias internas...

adjunto mais que perfeito jazendo em seu leito, o corpo do beijo

quando se torna azul, o contorno dos lábios tende a mover-se num vento e repouso, em espirais de ais e não se contém a olhos abertos, ou variante pensante. se sobressai à luz da razão tocando uniforme e presente o bojo de carne, onda rastejante entre o mudo e o ofegante. ato tenso e suspenso, arraigado fogo de águas transversas, apanhadas de susto e espera. concerne ao paladar viscoso, a tentação dos dentes rentes à sede lenta que se alenta ao eterno afinco, e de acesso permanente. depois limita-se esgotado, o músculo apaixonado, pela melodia incidental do gozo marginal, desencadeado de órbitas venosas em erupção. e sendo azul, deleita e penteia a ânsia de morrer novamente com essa intenção.

sexta-feira, janeiro 28, 2005

um chamado, cenas em lápis de corpo

não encontrava meio de dizer sobre o que lhe passava pelas idéias. então acreditou que a melhor forma era desenha-lo num sonho, em cores e som estéreo, para ela participar, ao menos, no que envolvia sua própria consciência. depois reportaria sutilmente a um ouvinte, que fosse um desconhecido pela rua a vacilar... tivera ela abdicado de outros desenhos, e se perguntava qual seria a imagem para melhor se recordar de algo que não havia acontecido. sim, acontecera em outros cenários, embora naquele, em que existia no momento, nunca tivesse se deparado com eles, os personagens que não criara. pelo contrário, eles eram de carne e amor. davam suas mãos e dançavam pelas ruas velhas da cidade. era de alegria que bebiam a vontade do outro de estarem assim, casualmente, amando-se numa realidade ansiada, que de vivida tornara-se nostalgia, e como sonho foi revivida enfim.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

à minha direita está sírius...

tu bem que podias escrever o meu nome na estrela e esperar o que posso responder, se o teu, se tua sou ou se tanto faz. pois se já não existe verso suficiente para conter-nos, miro o céu para entender o que foi feito dos velhos tempos que nos rodeou, e ele, o céu, de tão grande, faz-me crer que o tempo não envelheceu, só se foi. e ainda estamos aqui. tu ao norte e eu ao sul, assistindo ao mesmo céu.

licença compreendida

o que as músicas não fazem aos meus ouvidos para me lembrar que existo?

antes tarde do que antes

é com muito prazer que venho por este resgatar uns dizeres preteridos.
hoje sonhei com uma casa enorme, construída sobre outra pequena, esta minha conhecida já. me encontrei em vista para o mar, mas que mar era este que não existia então? e as pessoas, como felizes eram! não há nada de errado em ser em sonho o que não se percebe em realidade. e isso se faz sem mesmo querer. aquelas pessoas existem, ao menos. e a felicidade se encontra, num devaneio de casa ou de mar, escondida ou correndo para não atrapalhar os de passagem por aí ou acolá, preocupados em não atrapalha-la também.
pronto, eu não podia mais atrasar estas palavras...

segunda-feira, janeiro 17, 2005

barroco até no existir

essa tarde de cravo, de bach, espera que eu me inspire de fato e ainda se deleita com as minhas vontades nubladas. não faz sol, faz de conta que acalenta e sua por todos os poros as palavras que aqui jazem sem fazer algum sentido. isso se refere à ressaca moral, após furtiva experiência de embriaguez na casa de um comunista da vida. que ontem de águas! resumo que tudo isso é fato e me inspiro por nada fazer. tenho alguns sonhos guardados e prontos para desengavetar as idéias ensolaradas. que hoje de nuvens! até parece que estou em casa, cansada, escrevendo para não perder de vista o que não enxergo mais, ou ainda. não, espera, sei onde estão! debaixo do meu nariz, imponente sensação de glórias, sombra dos lábios e parente dos odores, que espera dessa tarde de bach um cheiro de cravo.

não se esqueça de me lembrar

já que tocamos neste assunto, admito que a verdade sela a virada da rotina. acordo, abro a janela, como algumas frutas e então se estabelece a verdade. o que fazer com ela? coloca-la na rua para ver onde vai dar.
amanhã. amanhã vai ser diferente, acredita? só vendo.

para lennon & mccartney

mudo o lado do disco... ai que saudades de minas.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

litorânea

depois daquele chá de arnica, sentou-se à frente da varanda e ficou a olhar o relógio da central do brasil iluminado, arcando com as duas horas da madrugada de 8 de janeiro.
era a primeira noite carioca que dela tomava conta, a envolvia com seus abraços calorosos. uma primeira impressão lhe escorria a face, um cheiro de mar assoprado de novidade nostálgica. esteve a mirar esta condição e achou estar próxima da procurada. foi um alívio imediato, e uma esperança que não tinha limite; assim constou num papel.
nunca havia galopado e na manhã anterior montou no cavalo pela primeira vez.
nunca também usara tantos “v”s num parágrafo como neste.

biombo fantástico

quero pedir a atenção de meus companheiros, para uma memória clamada em nome da ilustre mulher da face dúbia. a que esconde o choro atrás dos batons cor de terra para que os outros a invejem, com sua felicidade simulada em frases de impacto e filosofias meras que só mesmo ela para acreditar. enganava-se muitas vezes para recompor-se diante do nada. escondia de si a trágica e entorpecida verdade de que era ninguém, um silencio de caráter e mais uma alma sem perspectiva no começo de século sem zeros.
era de praxe que se olhasse no espelho e visse uma dama sóbria de longo cabelo negro penteado, ao contrário de entender porque chegava cedo da manhã, com a maquiagem derretida pelo suor da embriaguez. até uma mosca emaranhava-se nos seus fios de cabelo que arrastavam toda a agonia que pendia de sua cabeça, vítima dela mesma.
lutava para não enxergar o óbvio, mentia para os próximos... sim, está tudo bem, hoje eu vou ser feliz... mas dentro de seu coração ferviam a insegurança e o desespero de sempre. de não ser amada, estar só e morrer de sede e fome em algum canto do mundo.