quinta-feira, julho 28, 2011

práticas da insônia: entre os gatos

não é porque à noite todos os gatos se misturam – e não se sabe o que distinguir do vermelho e o azul. a mais verdade é que, à noite, não se pode mandar cartas, escrevê-las talvez, e é por essa razão que o correio só permanece aberto durante o dia, para que o autor considere melhor se deve mesmo endereçá-las. e uma vez foi assim, temerária do conteúdo deixei uma sem destino, troquei de envelope e até cuidei em mudar a caligrafia do remetente. claro, o remetente poderia ser qualquer maria que não fosse a minha. só o desejo de ocultar o assunto foi que não me ocorreu. dentro, o meu nome assinado, e ali fora, assassinada a minha autoria. até porque não são os gatos os únicos a ter um nome anonimamente próprio, só eu sei o que não sei de mim. mas vejo que pela manhã, depois de amanhecido um sonho, raramente ele continua o mesmo, e já não são as palavras que o traduz, é outra coisa. coisa para que nem se dá o nome para não se dar o trabalho de permanecer no tempo o que não é do seu feitio. simples. porque não foi possível ser aquela que a escreveu no momento em que cheguei ao correio. tarde demais. como se falasse sozinha, a carta pôde ser lida pelo carteiro curiosamente perdido em meio a envelopes verossímeis. tanto faz. nem só os gatos se misturam.

*cats (musical), TM 1981 RUG Ltd

terça-feira, julho 26, 2011

pandora I

dentro da caixa tem um corpo, nada evidentente,
quimera de ser surpresa,
alteza
mas curvo enquadrado, tardio
poente
insuportavelmente lento
latente

dentro do corpo tem uma vírgula sem ponto
quimera de ser cicatriz,
atriz
mas fugidia incapaz, de dissimular
mágica
textura alguma
nem trágica

dentro da vírgula tem uma ligação
à cobrar
quimera de ser ritual,
pontual
mas à perversa distância
à toa
imersa
repleta de caixas.

sexta-feira, julho 15, 2011

ave malícia
lua cheia de graça

quinta-feira, julho 14, 2011

quando ela permanece em silêncio, o primeiro momento passa despercebido, mas quando se prolonga o hábito, causa dele uma aguda vontade de investigação. e depois do por que? vem-lhe o lúcido desejo de continuar assim. hoje, achou entre as horas anteriores a paráfrase que condisse a falta de. é ruim ter de se lembrar de esquecer. e por isso nenhuma palavra basta.

domingo, julho 10, 2011

práticas da insônia: na terra

8.1 na escala richter. de um lado para outro na cama de quem escolhe a companhia dos abalos, nem tão tarde da noite, mas parece que não dormimos há tanto... desde que arrancaram os meus corações do espelho. e mesmo dormindo, sonho que acordo. até beethoven tem me parecido mais fácil, disse túlio. nessas horas eu me identifico com ele, disse eu. toca-me o calabouço de silêncio em enésima sinfonia. vibrante e atual no que os dias em 33 rotações por segundo vão se costurando pela agulha desastrada de direção. i wish it was wednesday. só por precaução. a terceira alternativa era O arbítrio, a distração e todo coração têm seu preço. depende de que lado você lambe a ilusão, disse juliana. l'imagination est encore plus excitant? desconfio que só ela há. desde um colapso de memória de deus, as ondas se repetem no mar, uma após a outra, o mesmo gesto em diferente performance, quase única se não fossem elas únicas. e diana se acomodou na banheira para tocar o violão, para me fazer companhia ao banho, como se a infância de alice tivesse que se prolongar em tantos compassos, como se eu não pudesse sonhar sozinha, sendo eu todas elas em trabalho de resgate. mas o destino as manda assim, elas se lançam aos ares toda manhã e depois entranham sua lascívia à terra, à noite. e entregar-me a essa terra em ousadia persefoniana é para que eu devolvendo a este grande corpo os meus corações, tenha que perdê-los continuamente. só porque são recíprocos. é o que me diz em sua língua de elefante aquele homem que não tem medo do escuro porque não precisa enxergar os outros dele. estamos todos aqui. desde que deus nos concedeu a alucinação cotidiana. para que nós dois não morrêssemos de tédio. nossos corpos em fendas necessitam compreender mais que os continentes.

pois sim, a anacronia dessa história é de uma patologia irreversível. porque a vida é uma doença terminal, disse o pai de luisa.

* hans bellmer, sans titre, 1932

quinta-feira, julho 07, 2011

sem saber
ela selava o que desarticularia toda a história
depois de abrir do papel de bala
a lembrança de cereja de que ele se despedia
sem saber