creio que a madrugada faça isso conosco... um devorar de
horas distraídas... eu, implícita na penumbra dessas horas, cumpro a minha
permanência inevitável entre a absorta respiração e o gozo invisível, a tudo me
atenho um pouco e nada me faz juízo. quiçá descubro lá fora uma nuvem púrpura
que me encante mais do que esconda estrelas, que me desenhe ao acaso numa
doçura de seda ou numa chuva lírica - daquelas em que se deita para sonhar como
o mar. eu não tenho pressa em amanhecer, a pressa é oriunda da manhã, dourada e
infantil - eu nasci da tarde, ansiosa pelo poente e batizada sob a lua
crescente... creia-me, a madrugada faz isso conosco, um pincelar de olhos
desajustados a vagar ao infinito, e talvez nos percamos se olharmos o corpo na
cama, deitado, quase falecido; se pecarmos pelo pavor, mas o ofício da dúvida é
estar sempre em composição e o “se” lhe ser híbrido de “tanto faz”. pouco
importa o que há depois das horas, se há sede ou sorte, ou a morte de uma
pequena existência, pois os dedos da noite me penteiam as vontades, e sinto-me
toda um esvoaçar de gigantes cegos a mirar pretensos acenos apaixonados de seus
olhos vagos e translúcidos. tais quais, por ora, são essas sensações de
faz-de-conta, feito um beijo de psiquê na escuridão... se somos eros, não sei,
mas a luz não há de ser acesa antes que se amanheça. porque a madrugada sempre
fez isso conosco... um demorar de horas distraídas.
quarta-feira, agosto 01, 2012
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