domingo, dezembro 10, 2006

dissimula-se o que dizem os olhos

era definitiva a forma como me olhavam aqueles olhos castanhos em brasas, querendo invadir em mim os mais aferroados pensamentos dos quais nunca nutri os meus. novidade era estes olhos cercando o hábito que nunca atendi. buscavam nos meus a descompostura espontânea de um susto infantil, algo que se deflorasse com a súbita pretensão do que já ardia de malicia e pressa. e depois conceber dos meus o que os próprios viam dos outros olhos. como provar da sensação minha o que a sensação alheia me provocava. bastava-lhes isto para o controle do todo, confiando ao ato o implícito desejo de conjugarem-me sua. no entanto, como que meus olhos estivessem perdidos naqueles, ali enxergaram o mesmo. e agora é inevitável que eu os tenha igualmente.

terça-feira, novembro 28, 2006

acerto da impossibilidade...

o grito calado sofre de amnésia constante
amanhã nem se lembrará porque existiu
é demasiado tarde quando as palavras são audíveis
o tempo regenera a cicatriz do lamento
porque o tempo arde ao som da intenção

à meia luz todos os corpos são iguais
e todas as manhãs com as horas se tornam tarde
as cores arrastam as sombras pelo chão
ontem parece hoje
tudo permanece igual e nada parece igual
e com um pouco de imaginação é parida a resposta para o desatino

é melhor ferir do que remediar
é melhor chorar do que premeditar

só me preocupa aquele silêncio de pedra
porquanto ela se quebra e sangra qualquer coisa que não seja minha
lateja por outros dizeres

já não os sinto, não os lembro mais...

terça-feira, novembro 21, 2006

sobre a sonoridade do tempo

o meu amor vermelho tem mãos que me tocam com fúria. eu sou a guitarra por ele enamorada, vibrada pelas cordas por ele desafinadas, e nunca adivinho o seu andamento desarmônico. por seu capricho lhe sou o instrumento catártico e passivamente incido com o meu desencontro amoroso. às vezes me emudeço encostada à parede, às vezes me ensurdece suas mãos. o meu amor vermelho é uma decomposição inadiável. dias áridos são estes de uma guitarra desconsertada.

quinta-feira, novembro 02, 2006

composição da pressa

conto nos dedos as eternidades que se demoram
pelas manhãs em que não verso com o teu domínio
sobre os meus sonhos, as minhas agudas poesias
mas silenciosas
porque
grito sob as paredes do meu corpo
o meu torpor imaculado
a sangria, a ventania de uma voz
sólida, acesa e mascarada
a tatuagem em branco
na pele que se resseca esperando
a chuva da tua calma
e a abundancia do teu zelo pela minha.

sábado, outubro 28, 2006

ideando

meu pensamento é feito de matéria frágil, suscetível ao vôo e ao fogo. quando se queima, é sugerido pelo vento outro itinerário.

domingo, julho 02, 2006

o sorriso da fotografia

não somos mais que poesia
clamando a frágil inocência
de sermos efêmeros e equidistantes do fim

esta noite não chove...

vejo um bule debruçado à janela do vizinho
na calma dos seus vapores, ele pensa na chuva que não cai e me oferece uma xícara de chá
agradecida sou, hei de evaporar um pouco desta noite para amanhã
assim o bule me conforta, me remete ao cheiro de terra molhada,
mas seca que estou reflito o céu estrelado e insone do inverno.

rio de janeiro, 30 de junho de 2006.

o que meus olhos veêm é o mundo em câmera lenta, imitando-se desfeito, insidioso,
às doses das dores, que se encarnam indóceis repentinamente nas mãos da paisagem anterior
e tudo que sucede é a invenção, é a suposição replicando ao cansaço a enfermidade do sono,
a hipnose da morte, é a surdez que tateia a própria voz
e parte do que procuro não é normal, nem se conjuga, porque desse mundo só faço abrir o regresso
nada de novo contenta-me a palavra, porque o mundo me devolve ao tempo em que parti
e dali em diante eu já sabia o que meus olhos veêm agora.

sexta-feira, junho 30, 2006

ópera centenária ou inventário

já lembrava da última vez em que chorei, metade em compartilhamento, metade em esconderijo, metade pelo apaziguamento. sim, foi mais do que pude. e transtorno a força dos rumos. os contornos dos ciclos eternos, circundamente inesperados... na hora antecipada. sim, foi mais do que cedo, por mais preterido que aparecesse este instante insólito e disfuncional, porém convincente até a última gota de lucidez. comemoro a interrupção enfim do discurso coerente, engajada no seu contrário equívoco.

deveria me perder antes, mas tarde agora da hora me absolvo das circunstâncias ressonantes. era assim que eu poderia me despir, de nada e um pouco tudo... pois só consigo esconder o que sou.

quinta-feira, junho 29, 2006

ao fim da noite...

é quase uma manhã indigesta esta, não a culpo. o problema não é dela se o meu moral não resiste... basta de histórias, não gostaria de encarar outros olhos de censura, principalmente os meus agora. de olheiras o inferno se incendeia e as minhas me crucificam.

segunda-feira, abril 24, 2006

III

neste fim de tarde, sinto-me como psiquê, submersa na banheira, contando as folhas flutuando sobre os meus sonhos abertos. como uma deusa morta, jazendo feito o sol, que dele só resta uma aresta.

sexta-feira, abril 21, 2006

II

o desejo me pegou desprevenida ao mirar a calçada. te vi fumando com teus pés no chão.
eu não. com meus pés pro ar.

I

eu sou a noite chuvosa
brilhando ao chão
o mundo e eu.

terça-feira, abril 18, 2006

uma razão, uma alusão

então, chega de poesia sem maestria!
não conto mais com as incertezas
quero também um sonho alheio
que me transforme em outro desejo
sem espera
sem demora
só com as palavras para brincar
não é isso que fazem todos?

segunda-feira, abril 03, 2006

fingindo não notar...

quão inusitados sorrisos!
não quereis mais um pouco?
pegueis mais
fiqueis a vontade, deleiteis-vos com o alheio!
pois nada vem ao caso e nem com descaso
são só ventos sem propósito, mudos e fora de hora.
que nunca nada mudaram
e não tem em mim qualquer presença
da máscara que peca o riso
da queda que pranteia o rio, desde um amigo para outro
que se faz custear
a promessa das vontades de março
que se resolve na perda dos olhos de quem me procura
e que abstrai o paladar da língua dos sonhos.
tornastes o escuro daquela palavra
mas agora é ela quem grita
e está de partida como todos
que vem vão e parecem nem lembrar-se das honras.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

atômico platônico

se eu fosse tua, seria eu inteiramente tua, mas tu não me tens porque não me tens, não desta forma...

não se procura uma desesperança...

ouvindo vozes
duvidosas pontes
desconjuntadas
sou um grande inverso
imerso
camuflada
miniatura
da face assimétrica
em composição
improvável
de jeito consentido
contido desentendimento
austral
hexagonal
natural
nada em acompanhamento
vão

domingo viscoso

divergindo–me ao
descentral
sobre-continental

desconcentro
desconserto
descontento
em termos infernais
atemporais
subespaciais

interferindo-me em
tentador
abrasador
toque de fuligem
morta
porta
fechada

22.12.2002

houve os seres, os quereres e os poderes de um sonho interminável. os amantes alcançaram o ensejo de se encontrarem, iam e vinham sem pensar em sair. poetas os descreviam em sua página de céu. eles eram a dança de corpos e libidos da mesma cor. quem sabia o seu nome? tinham lá escrito qualquer destino, mas a cena se transformou. já não eram mais as bocas que lhes afagavam, e o chão transbordava em mãos d’água que os lançavam pelo rio. os peixes fluíam por entre eles pincelando ardor. nus se tocavam ao acaso da correnteza. de alguma música se lembraram depois, pois descobriam o nome daquilo. e foi um anel de palavra que os circundou e os calou. os poetas continuaram a fiar estrelas, aqueles dois corpos entre outros reluzentes por excelência, eles que se esqueceram de um mundo alheio e deixaram os seus involuntários movimentos de seda se perpetuarem naquele instante desvanecido.