domingo, janeiro 27, 2008

perfume de maio

as tardes de alecrim estampam na fotografia a placidez da tua companhia
que ficou atrás de uma translúcida cortina
descosturada como aquele tempo
esquecido, pendurado num galho de pensamento desbotado
um triste lembrar amarelado
mas preciso de intenção
que deixou qualquer música gasta pela agulha
da paciência ou dos óculos depositados num livro fechado
desconcentrado
que sangrou um amor vermelho e opaco
e nenhum medicamento influiria
nenhuma outra tarde seria tão lírica
mas os dias contam em regresso para que venham outra vez
sem a tua companhia, para que nada falte

as tardes de alecrim nada estampam
nada aludem, nem inspiram

as tardes de alecrim nunca existiram

sábado, janeiro 26, 2008

na véspera da febre,

cantam o lamento das bocas de vênus para salientarem um silêncio,
os personagens dos olhos de vênus para lhe desenharem no espelho.
porque é noite na precisão de vênus.
e no escuro o desejo é imensurável.
como essa ardência da lírica de vênus.
como todo deus.
mas à luz,
cantarão os suculentos sonhos da forma de vênus para não descobrirem-na deserta?
o derrame das espumas de vênus é um grito que se ausenta.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

cinemascope brilhante I

o diamante atravessou a ponte do rio e coincidiu com a fábula da árvore preciosa.
foi mirando a ostentosa com um paladar indiscreto e direto à palestra:
- mas que vontade é esta?
apontou a maçã.
- agora ela é demasiada tardia. te provarei somente amanhã.
a continuidade do enredo não era um fato, ele sabia.
mas coloriu o segredo e se referiu ao próximo ato.

cinemascope brilhante II

foram as horas
e o rio

o tempo
se refletiu em outro instante
o brilho
arrastou sua vertigem para adiante
a maçã
insistiu um abraço de copa

e a manhã foi uma mordida precipitada.

cinemascope brilhante III

eis que a sábia fala ocorre à sombra...
onde jaz uma dúvida.

remota dúvida.

- agora provada irá ter com o mundo e o eterno?

cinemascope brilhante IV

se a dúvida é falta de respostas
a escolha é a perda de algumas delas

que sejam as vísceras, a torre, os olhos ou os sonhos...
os dedos para contar e os lados para medir

foi a esta qualquer intenção que o diamante se deixou debilitar
não permitia ao corpo a emancipação do seu costume
e nem à intuição a rebeldia do seu sangue


paciência...

eram quatro ventos que lhe sopravam a mesma tentação,
porém cada qual em distinta direção.

cinemascope brilhante V

ele antevê o derrame da lua que se esvazia, e dissimula a noite orgânica em uma fantasmagoria visceral, percorrendo incessantemente o verbo que se desfaz na boca próxima, amortecida pelo seu éter de amante. a rompe feito uma matemática excessiva e depois sela o vazio com silêncio. o que transborda é habitado pelas licenças poéticas, foge aos nomes e às línguas...

ela o sente como o vento que bate a porta...

cinemascope brilhante VI

o vento que encerra a porta, abre arbitrariamente o livro na página do meio. são descritos ali os termos das abstrações. porém todas elas se concretizam em palavras e nenhuma imagem se faz. depois, a página que se vira se torna a ela mesma, como se a continuação fosse única e estagnada pela falta dela. são logo as abstrações eternizadas, contidas num gerúndio babilônico, tão redundantes que a nada se abstrai também.

cansada, ela contempla pela janela um tempo para a monotonia, a séculos de altura, vivenciando sempre a mesma paisagem, a daquele amor sem idade e nem consumo. quase acredita em um seguinte capítulo, talvez o de descer ao futuro onde encontraria o solo para os pés descansar, mas lá do alto pensa no céu, onde sua nostalgia parece mais genuína e a remete às imagens que subliminarmente tingem seus pensamentos quanto aos antigos capítulos.

cinemascope brilhante VII

no escuro, ela vislumbra por outros olhos algo que lhe pertence. é tarde quando o tempo canta a sua existência e penetra-lhe numa incessante intenção entre os sentidos, ansioso por desnaturar os tecidos da sua intolerante negligência. o seu corpo pede mais uma vez um pouco de reconhecimento, como se a insônia lhe obscurecesse o ar e arquitetasse um labirinto de tanta reflexão insólita. nenhuma sinuosidade lhe foi útil porque sempre se deparava com a mesma urgência, circundava em torno da monocromática inércia em busca do seu impreciso paradeiro.

no escuro, ela se espera sozinha, tateando o frio comprimento dos seus pêlos em espanto. nada lhe é mais visível do que a sensação que se causa agora, nem há outra graça além dessa nitidez tátil. ela, então, devora aqueles olhos para não esquecer o caminho que fizera até ali e se perde numa paz ensurdecedora.

logo, o cansaço a envolve para temperar a noite cúmplice que se adia, abotoando-lhe as densas pálpebras e conduzindo-a a silhueta de um sonho...

cinemascope brilhante 8

fugir do tempo era um beijo congelado, e a madrugada púrpura rebentou as hipóteses de um místico amor. mas este não cheirava feito o tempo, somente feria as concordâncias, todas ao frio do vazio, ante aqueles corações ardentes a derramar demasias de um grito sem lugar. quanto mais aquosos e pungentes, surtindo uma lisérgica ininterrupção, menos reparavam na condição do tempo perto de perder-se ao penetrar-se naquelas ânsias, feito integrante da matéria que lhes palpitou sem ruído.

fugir do tempo era perpetuarem-se náufragos, unidos por uma memória imprópria, e a inexistência pôde enfim tornar-se real, como a madrugada púrpura que nunca houvera. mas aquela simbiose ofegante, das vontades dos amantes, poetava-lhes os segundos seculares de que careciam.

ainda o faz...

domingo, janeiro 20, 2008

"onde morre a poesia?"

nada escapa à intenção do tempo, mesmo que os pés andem pelo chão e os dias pelos ares, a poesia permanece e é feito a lua... se hoje ela míngua, é porque ontem transbordou e, indubitavelmente, amanhã se renovará...

onde é só invenção...

cântico sem data VI

momento para concretizar
o que já é concreto,
viabilizar a impossibilidade
de ser o que já é...

cântico sem data V

São sete horas da noite e os ponteiros me servem de diagnóstico
É a vista que se turva para que outros reflexos me sejam favoráveis
Ainda reconheço as formas à minha frente
Mas onde estarei agora pincelando horas que me convém?
Percebi que o tempo não está ao meu lado
Foi este vento que bateu
E que ainda balança os pingentes de metal...
balança... balança...

cântico sem data IV

sinto por aquele sonho desinteressante...
tal qual fosse de papel e se borrasse com a ponta de idéia que se repete
um sonho de tédio!
sinto mesmo,
ainda desperta torno a usá-lo como esboço...

cântico sem data III

o penhor dos sentidos de agosto
confia o peito sobre a pedra irredutível e impalpável
do gozo ao desgosto
da rocha muda e perpétua
que confinada sob a carne omissa
aguarda a erosão de um segredo

cântico sem data II

estou captando a intuição subliminar...

e ela é explícita.

cântico sem data I

maneira de dizer, como os peixes me sobrevoam...
é o vento que os traz e logo os leva em retorno
instante de imperfeição
assim é como me parece a felicidade.