quarta-feira, agosto 01, 2012

cinemascope brilhante ato I.

o diamante atravessou a ponte do rio e coincidiu com a fábula da árvore preciosa.
foi mirando a ostentosa com um paladar indiscreto e direto à palestra:
- mas que vontade é esta?
apontou a maçã.
- agora ela é demasiada tardia. te provarei somente amanhã.
a continuidade do enredo não era um fato, ele sabia.
mas coloriu o segredo e se referiu ao próximo ato.

cinemascope brilhante ato II.

foram as horas
e o rio

o tempo
se refletiu em outro instante
o brilho 
arrastou sua vertigem para adiante
a maçã 
insistiu um abraço de copa

e a manhã foi uma mordida precipitada.

cinemascope brilhante ato III.

eis que a sábia fala ocorre à sombra...
onde jaz uma dúvida. 

remota dúvida.

- agora provada irá ter com o mundo e o eterno?

cinemascope brilhante ato IV.

se a dúvida é falta de respostas
a escolha é a perda de algumas delas

que sejam as vísceras, a torre, os olhos ou os sonhos...
os dedos para contar e os lados para medir

foi a esta qualquer intenção que o diamante se deixou debilitar
não permitia ao corpo a emancipação do seu costume
e nem à intuição a rebeldia do seu sangue


paciência...

eram quatro os ventos que lhe sopravam a mesma tentação, 
porém cada qual em distinta direção.

cinemascope brilhante ato V.


ele antevê o derrame da lua que se esvazia, e dissimula a noite orgânica em uma fantasmagoria visceral, percorrendo incessantemente o verbo que se desfaz na boca próxima, amortecida pelo seu éter de amante. a rompe feito uma matemática excessiva e depois sela o vazio com silêncio. o que transborda é habitado pelas licenças poéticas, foge aos nomes e às línguas...

ela o sente como o vento que bate a porta...

cinemascope brilhante VI.


o vento que encerra a porta, abre arbitrariamente o livro na página do meio. são descritos ali os termos das abstrações. porém todas elas se concretizam em palavras e nenhuma imagem se faz. depois, a página que se vira se torna à ela mesma, como se a continuação fosse única e estagnada pela sua falta. são logo as abstrações eternizadas, contidas num gerúndio babilônico, tão redundantes que a nada se abstraem.

cansada, ela contempla pela janela um tempo para a monotonia, a séculos de altura, vivenciando sempre a mesma paisagem, a daquele amor sem idade e nem consumo. quase acredita em um seguinte capítulo, talvez o de descer ao futuro onde encontraria o solo para os pés descansar, mas lá do alto ela pensa no céu, onde sua nostalgia parece mais genuína e a remete às imagens que subliminarmente tingem seus pensamentos quanto aos antigos capítulos.

cinemascope brilhante ato VII.


no escuro, ela vislumbra por outros olhos algo que lhe pertence. é tarde quando o tempo canta a sua existência e penetra-lhe uma incessante intenção entre os sentidos, ansioso por desnaturar os tecidos negligentes. é o seu corpo que pede mais uma vez um pouco de reconhecimento, como se a insônia lhe obscurecesse o ar e arquitetasse um labirinto reflexivamente insólito. nenhuma sinuosidade ainda lhe foi útil porque sempre se deparava com a mesma urgência, circundava em torno da monocromática inércia, buscava o impreciso paradeiro.

no escuro, ela se espera sozinha, tateando o frio comprimento dos seus pêlos em espanto. nada lhe é mais visível do que a sensação que se causa agora, nem há outra graça além dessa áspera nitidez. ela, então, devora aqueles olhos para não esquecer o caminho que fizera até ali e se esparrama numa paz ensurdecedora.

logo, o cansaço a envolve para temperar a noite cúmplice que se adia, abotoando-lhe as densas pálpebras e conduzindo-a a silhueta de um sonho...

cinemascope brilhante ato 8.


fugir do tempo era um beijo congelado, e a madrugada púrpura rebentou as hipóteses de um místico amor. mas este não cheirava feito o tempo, somente feria as concordâncias, todas ao frio do vazio, ante aqueles corações ardentes a derramar demasias de um grito sem lugar. quanto mais aquosos e pungentes, surtindo uma lisérgica ininterrupção, menos reparavam na condição do tempo que se perdia ao penetrar  naquelas ânsias, feito integrante da matéria que lhes palpitou sem ruído.

fugir do tempo era perpetuarem-se náufragos, unidos por uma memória imprópria, e a inexistência pôde enfim tornar-se real, como a madrugada púrpura que nunca houvera. mas aquela simbiose ofegante, das vontades dos amantes, poetava-lhes os segundos seculares de que careciam.

ainda o faz...

cinemascope brilhante ato IX.

creio que a madrugada faça isso conosco... um devorar de horas distraídas... eu, implícita na penumbra dessas horas, cumpro a minha permanência inevitável entre a absorta respiração e o gozo invisível, a tudo me atenho um pouco e nada me faz juízo. quiçá descubro lá fora uma nuvem púrpura que me encante mais do que esconda estrelas, que me desenhe ao acaso numa doçura de seda ou numa chuva lírica - daquelas em que se deita para sonhar como o mar. eu não tenho pressa em amanhecer, a pressa é oriunda da manhã, dourada e infantil - eu nasci da tarde, ansiosa pelo poente e batizada sob a lua crescente... creia-me, a madrugada faz isso conosco, um pincelar de olhos desajustados a vagar ao infinito, e talvez nos percamos se olharmos o corpo na cama, deitado, quase falecido; se pecarmos pelo pavor, mas o ofício da dúvida é estar sempre em composição e o “se” lhe ser híbrido de “tanto faz”. pouco importa o que há depois das horas, se há sede ou sorte, ou a morte de uma pequena existência, pois os dedos da noite me penteiam as vontades, e sinto-me toda um esvoaçar de gigantes cegos a mirar pretensos acenos apaixonados de seus olhos vagos e translúcidos. tais quais, por ora, são essas sensações de faz-de-conta, feito um beijo de psiquê na escuridão... se somos eros, não sei, mas a luz não há de ser acesa antes que se amanheça. porque a madrugada sempre fez isso conosco... um demorar de horas distraídas.

cinemascope brilhante ato X.

o meu agosto é um cinema
é uma ladeira, uma madrugada
parada, atravessando uma cardinale
com a flor presa à orelha

um plongé de paralelepípedo
uma subliminar de estrela