quinta-feira, dezembro 04, 2008

lilith. todavia...


sábado, novembro 15, 2008

idade do amor lascado



uma mala na porta e o mundo tal o que éramos

antes das velas nacaradas de junho, antes do real maravilhoso,
antes mesmo das religiões e dos blues cósmicos!

era de pedra que alimentávamos nossos ócios
sem saber nos existir
sem contar dias de bombons de uma fada doméstica

naquele tempo em que não se forjava poesias em improviso
quando mãos e olhos eram ainda de menina
e o cigarro era um prazer solitário
enquanto as manhãs virgens e claras
se dividiam entre os paralelepípedos prateados e uma árvore desconhecida.

ainda os renascentistas pintavam uma baía de sempre,
uma ladeira santa era paisagem para os planos de sol,
os amores eram rebentos balbuciando na varanda
e as madrugadas pertenciam somente às bruxas

depois,
nenhuma correspondência do além-mar inspirou cócegas
e nem chá com camofas se tomou

porque não se falava em voz baixa
e nem se tinha medo do medo

mas...
como nos tornamos metais, a mala na porta
significa que não nos amaremos mais!

quinta-feira, novembro 13, 2008

minerva de pecado (ou solo de um eco)

minerva, vieste a passeio na busca de um intelecto, cheirava a tédio todo o percurso.

catavas as saudades e outras poesias entre as horas que te penetravam... mas havia o termo exato para que te confundisse contigo mesma.

foste achar a memória da lógica, contas de subtração na adolescência.
risos deste de nervoso, minerva, cheia de espinhos na consciência.

orientes psicossomáticos vinham a te chamar uma atenção.

pediste silêncio aos teus passos; caíram na sombra da ciência todos os frutos de tanto te elucubrar.

escutou-se o pulsar da imaginação (segredo) em preto e branco, eram contrastes em outra língua.

por um instante, minerva, sentiste encontrar a saída, mas o teu labirinto já se multiplicava...

comum destino este de vagar por estranhas entrelinhas nas quais não se é permitido perscrutar.

terça-feira, outubro 14, 2008

dama de caos

ainda é tempo de me derramar na preguiça dos teus quadros, semivertebrados, confiados à penumbra e ao tato de uma seresta incolor... fiz de mim uma aquarela de chuva e no mais, esqueço o verbo e a predileção, encantamentos que me rastreiam em sonho de ordem... e na desordem das águas, me desfaço em traço estendida numa câmara escura sob o olhar de quem me espreita uma janela imóvel, dissolvida no tempo e na razão, mas quando me perpetuas, encontro no vão do sempre algo inominável, de sutil substância que convém aos mortais, e nessa inverossimilhança me pontuo ser de vigília constante e breve em terra além, e nada mais perdura como o intento de uma paisagem escorregadia, me desenhas uma musa de fato, me fias ao outro lado do espelho

quinta-feira, outubro 02, 2008

teias tecem aranhas tais

teias tecem aranhas cais
teias tecem aranhas ceias
teias tecem aranhas cheias
teias tecem aranhas mais

domingo, setembro 28, 2008

fala

como pude ter me tornado tão cruel... abomino que assim me sejam, e chamo-lhes de cachorros por língua alheia, dou-lhes à boca o nome. não me recordo, mas eu já deveria ter acertado as contas com deus, ou será ele quem me aguarda com a sentença interminável. pois meus pecados e eu, percorrendo aquela avenida silenciosa, estaríamos de acordo com qual destino de sugestão dantesca? e reparando naquele vazio enquanto caminhávamos, era precisa a derradeira palavra, já antevista, jazida incertamente entre uma submissão e outra omissão, variavelmente carnal. por uma persistência desobedecida, uma catarse incontida, uma cadência de repetir os mesmos maus gestos, também um vício de mau gosto. não meus... é inútil, sempre errante, por toda a eternidade.

o que os olhos ardem, o espírito palpita em horas claras, assim que ofuscam qualquer clareza que lhe seja imprescindível. às vezes, sinto chorar em mim o quebrar do tempo em coisas passadas que não mais se fazem sentido; faz-se, por conseguinte, um derramar de memórias anônimas. esqueço até o que virá acontecer quando assim me reverbero num ponto de fuga caleidoscópico, sem fresta, nem aresta. o pôr da lua, se não chega a ser um parto de dor, quase se perpetua num contrato de cegos, acorrentados uns aos outros, trazendo instantes de não se sabe onde para não se sabe quando. mas isso é inerente a todos que não sabem o que fazer com os ponteiros insones.

quinta-feira, setembro 18, 2008

quinta-feira, 18 de setembro de 2003

encontrei um banco de praça dentro da labareda de vinho que tomei ontem com uma velha amiga. sentadas nele enrolamos rochas de outrora alegres como os anos passados, longos e distantes. – ontem mesmo escutei este disco... – ...ainda me lembro daquele cílio que ficou no dedo. – a história continua assim.

a noite que chovia molhou o mundo inteiro, saí ao frio para aliviar minha sede. ouvia-se o som da capoeira na rua em que moravas. sentei-me à porta e desviei a atenção para o cachorro uivando de saudades de quê. o tempo se cansava e afastei-me de mim, corri sem voltar os olhos, o chão ia desaparecendo enquanto eu caía no profundo corpo. tua janela sempre aberta se fechou para o cachorro uivando de saudades minhas. eram o tempo e os olhos do cão. tentei me secar, mas ainda me retém a umidade de tudo.

durante a sessão, ele pensou que nunca mais voltaria àquele cinema, nem mais assistir aos filmes que também passavam ali. faria greve das vontades do mundo, o fim da graça daqueles anos mudados pelos girassóis que distribuía entre os amigos. depois pensou em arrumar as malas e contar as montanhas que encontrasse pela estrada, voltando para o lugar que jamais teria novamente. não teria o mesmo sabor, e o tédio o dominaria sem preguiça. a lua é a mesma, enfim, teria a paisagem da janela de sempre.

quarta-feira, setembro 03, 2008

Delírio Náufrago

sorriso náufrago
instantâneo instintivo
peculiar náufrago
malogrado perder-se espontâneo narciso

inspirar enamorar-se
desenho náufrago
vida exterior
impulso imerso líquido

percorrer atmosfera
espaço cósmico
cortante náufrago

quando existe irreversível
escuro espectro
devanear-se fantástico

fato fábula
mito náufrago

inebriar-se singular
calar-se face serpente
remoto náufrago músculo

inefável fluido
diáfano ruído

derramar-se peixe
oscilar-se ósculo
maleável denso
desterro temporário

oriente náufrago

oráculo ermo
sombrio áspero
vestígio náufrago

radiante efêmera
a duração do silêncio

o espaço entre linhas escritas
inolvidável devorar
insaciável vazante
delírio náufrago

(Daya Gibeli/Camila Marquez)

domingo, agosto 31, 2008

um aceno de quem fica

visitei minha morada. estava intacta pelos furtos da prole, diferente perspectiva tinha o cenário de minha vida. eu, ainda vestida do sono, parecia não ser a mesma pessoa que ali adormecera. das luzes amarelas restavam o perfume das angélicas e o devaneio de uma santa. acordara num improviso de lembrança, para resgatar o laço da missão, não fizera outra coisa que sonhar com ela. não esqueço das velas que choraram durante a viagem, dos passos que me acompanharam e dos ramalhetes que me presentearam até que enfim.

domingo, agosto 24, 2008

poema de desintenção

à fronteira de horas
eu, sensação de maçã
coincido com a invasão de amanhã
jugulada numa trança de auroras

terça-feira, agosto 05, 2008

domingo, 03 de agosto de 2003

que desejo de domingo expectorante para aliviar as expectativas dos dias de simulada libertação. talvez eu precise soltar os cabelos, tirar os sapatos e cantar uma música que fale alto aos ouvidos desatenciosos deste rumo em que vou me atualizando. basta de pensar suposições, os acontecimentos vêm, assim, inesperados, e nada adianta esperar por aqueles anseios sem nexo, a verdade é transitória, nada será como está agora... enfim, chegara o mês para os cachorros invadirem nosso cotidiano aos gritos e ventanias. cuidaremos por não enlouquecermos também.

quinta-feira, julho 31, 2008

domingo, 13 de julho de 2003

ai se Deus existisse...
daria ao tolos um sensato castigo!

salve a Mãe que tudo pariu!
que Ela ainda esteja no meio de nós...

quarta-feira, julho 30, 2008

sábado, 05 de julho de 2003

um disco tocando na vitrola me lembra as tardes de julho de outrora, o vento correndo pelo quintal e aquele grito frio vindo pela janela... foram os anos que se formaram numa década, em duas, três, e que sem se perceber levaram alguns e trouxeram outros tantos... as ruas e as casas se assemelham ao tempo... a maneira como essas cousas vivem é de um movimento peculiar. o tempo desgasta, invisível aos olhos, diferença que só grita ao espelho ou às fotografias em preto e branco, nas texturas e nos conceitos obsoletos...

ainda penso se existimos para lidar com as lembranças das tardes frias de julho com esta nostalgia impreterível.

nada além do meu desejo anti-horário...

sexta-feira, julho 11, 2008

terça-feira, 17 de junho de 2003

não tenho a mínima idéia para quem escrevo. exagero. talvez haja uma vaga suspeita. para mim, sempre... porém já ultrapassei o diálogo só, já percorri o sentido da expressão, já escrevo o que não sinto mais. não é mesma a coisa. alguém entende: agora a mão é leve, logo tudo pesa em dobro? quem me acha na contradição? alguém me acha, sempre me encontra... que irônico o fato de não poder falar com o mundo pela voz. fazer uma cena verossímil. necessito de que os personagens retornem à vida, vestidos de alma e posição. detesto esperar pelos outros. minhas mãos não agüentam as palavras por muito tempo, elas têm que se abrir, sair, mover algo menos pesado do que estas que discorro sob músicas que latejam o que nenhuma criatura entende...

quinta-feira, julho 10, 2008

sexta-feira, 13 de junho de 2003

esta noite envolve a lua, que cheia faz-me pensar azul, claro feito água, é a nudez da minha alma diante do mar de secretos ensejos... palavras mágicas são lidas sobre um papel que vem de longe, e sob esta lua, que cheia, faz-me pensar perto... este dia envolveu a essência e a poesia, sentimentos que passam por aqui às vezes e voltam ao lugar onde respiro, mas não vejo. não importa. eles existem, constam na música, meu ouvido que escuta o som do ar, da vida em evidência. esta noite envolve uma certeza.

quarta-feira, julho 09, 2008

domingo, 08 de junho de 2003

que desmantelo foi o seu grito neste dia de nuvens sufocantes! sabia que era desnecessário e, no entanto, soltou-o aos plenos olhos vigilantes do mundo sem fim nem piedade; irritou-se com as palavras azuis e trancou-as em seu quadro negro. as cores novamente... é porque são elas que nos sentem . qual a cor deste grito? ele indignado hesitava em sair, mas era de praxe que o seu egoísmo tenha prevalecido à boa vontade...

o silêncio, por vezes, é mais atento.

cuido das minhas palavras e a reciprocidade é bem vinda nestes dias de nuvens sufocantes.

por gentileza...

segunda-feira, junho 16, 2008

quinta-feira, 05 de junho de 2003

contudo, algum dia ainda darei gargalhadas desta passagem ao lembrar. não mais precisarei debruçar o pensamento sobre mim para proteger-me dos atropelos. nem o inventarei para aceitá-los. é de um cansaço construtivo que reclamo agora, embora este se faça necessário para os dias de lucidez que retomo com clareza. ou os tenho com clareza daqui em diante. ou tenham eles me tomado para a continuação da clareza enfim. por hoje resta a paciência, uma prudente ansiedade que se entrelaça aos meus sentidos, desaforados e imprecisos.

uma xícara de chá para acalmar os ruidosos dias de trabalho, por obséquio...

quinta-feira, junho 12, 2008

diálogo entre musos

embeba-me a calma
inculta-me a noite
necessária aziaga de sonhos
doces que deflorem
se a gente acorda,
que durma o amor ao lado
flutuante em vigília, alado

- a minha carne parece, às vezes, fibras de metais...
- feita de metades?

(flor e pessôa)

segunda-feira, junho 09, 2008

quarta-feira, 04 de junho de 2003

qualquer frase... queria dizer o que ando pensando, mas você já deve saber. nesta noite tudo soa menos doloroso. vejo verde, sinto lilás. o coração pode ainda estar sangrando e a cabeça compondo miséria, mas você já deve entender que nada disso será em vão... seja qual for a intenção do tempo, valeu a pena dizer qualquer frase que me remetesse a você. seja ela de qualquer cor...

segunda-feira, junho 02, 2008

domingo, 01 de junho de 2003

caminho lento e profundo em busca da minha própria cabeça. tento dar um basta aos vícios que me devoram e me tiram do real objetivo... qual! aquele de viver mais de cem anos de lucidez e paixão... mas por um instante vi que nada seria verdadeiro se eu não cresse na jornada que me cobra sobriedade e razão. disse-me você, hoje, que talvez (talvez, palavra minha inserida no discurso seu) eu fosse a única pessoa lógica do mundo. talvez você acredite nisso por não conhecer o meu. em verdade, não existe sequer uma lógica neste lugar. talvez eu tenha uma certa matemática instintiva que me mantém viva... talvez eu viva os anos que não sei como contar.

segunda-feira, maio 26, 2008

sexta-feira, 30 de maio de 2003

nesta manhã, sonhei músicas, numa casa - labirinto de portas e corredores - e um amor atemporal. eros reverencia, toma-me aos braços. como sempre. ele só me é presente íntimo da falta minha de lucidez. quando menos espero, penso dormindo, danço acordada com as pálpebras encerradas... é o nada. enganam-me estes lúdicos ensaios da vida que programo sem os querer em minha psique. sei que ele me é inacessível, um beijo azul que nunca se dará...

sábado, maio 24, 2008

sexta-feira, 16 de maio de 2003

uma criança distraída ao pôr do sol, imaginando delírios de uma vida cor de rosa. sim, quisera eu ser mais uma vez, porém já me pertenceu este momento e nem percebi de tão distraída que estive...

sexta-feira, maio 23, 2008

quinta-feira, 15 de maio de 2003

um dia após o outro. nada mais resta daquele sonho que esqueci quando acordei. a lembrança dilacerada foi o que ficou, penumbras de uma ação em fragmentos não lineares, desnecessários ao entendimento. peço um instante para a concentração. os elementos em questão se desfazem e não sei se quero recordá-los. conecto um diálogo só, os signos vêm e vão, e em nada me alivia a comunicação. difícil é lidar com o silêncio ensurdecedor. prefiro andar com o tempo, antes que eu me perca também...

sábado, fevereiro 23, 2008

paradigma da tempestade

é com gosto de tédio na boca que no tingir da tarde em cinza eu escolho as palavras para não ser engolida por mim. percorro a atenção no disco que gira, gira na vitrola e em nada me faz supor a interrupção dessas horas de vigília pela minha inquietação, a mais subordinada intenção de estar respirando o vazio das cores, eu busco o fim do fio da espera. arrepiam-me os sonhos que ali deitada na noite sem querer os tracei, os vivenciei. tão distantes mas conseqüentes dessas passivas paredes que me acolhem do breu do mundo. do tédio das águas, das telhas bombardeadas acima de minha cabeça, ardente feito a brasa do cigarro desesperado por mim. é de sono que me comporto na vida desta tarde, prometida às tarefas existenciais, antes esboçadas pelas páginas do jornal íntimo de amanhã. mas temo mais o trovão da branca agonia, e o grito de deus, dedilhando em meus nervos; uma musica que sobrepuja o seu pranto é o conforto que por ora o meu vazio suplica.

tempo em descaracter

quero dizer, às vezes, posso no escuro
às vezes, encontro-me com os olhos abertos
o que quero ver é
que todo o espaço teu
não permite o mau tempo...

domingo, janeiro 27, 2008

perfume de maio

as tardes de alecrim estampam na fotografia a placidez da tua companhia
que ficou atrás de uma translúcida cortina
descosturada como aquele tempo
esquecido, pendurado num galho de pensamento desbotado
um triste lembrar amarelado
mas preciso de intenção
que deixou qualquer música gasta pela agulha
da paciência ou dos óculos depositados num livro fechado
desconcentrado
que sangrou um amor vermelho e opaco
e nenhum medicamento influiria
nenhuma outra tarde seria tão lírica
mas os dias contam em regresso para que venham outra vez
sem a tua companhia, para que nada falte

as tardes de alecrim nada estampam
nada aludem, nem inspiram

as tardes de alecrim nunca existiram

sábado, janeiro 26, 2008

na véspera da febre,

cantam o lamento das bocas de vênus para salientarem um silêncio,
os personagens dos olhos de vênus para lhe desenharem no espelho.
porque é noite na precisão de vênus.
e no escuro o desejo é imensurável.
como essa ardência da lírica de vênus.
como todo deus.
mas à luz,
cantarão os suculentos sonhos da forma de vênus para não descobrirem-na deserta?
o derrame das espumas de vênus é um grito que se ausenta.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

cinemascope brilhante I

o diamante atravessou a ponte do rio e coincidiu com a fábula da árvore preciosa.
foi mirando a ostentosa com um paladar indiscreto e direto à palestra:
- mas que vontade é esta?
apontou a maçã.
- agora ela é demasiada tardia. te provarei somente amanhã.
a continuidade do enredo não era um fato, ele sabia.
mas coloriu o segredo e se referiu ao próximo ato.

cinemascope brilhante II

foram as horas
e o rio

o tempo
se refletiu em outro instante
o brilho
arrastou sua vertigem para adiante
a maçã
insistiu um abraço de copa

e a manhã foi uma mordida precipitada.

cinemascope brilhante III

eis que a sábia fala ocorre à sombra...
onde jaz uma dúvida.

remota dúvida.

- agora provada irá ter com o mundo e o eterno?

cinemascope brilhante IV

se a dúvida é falta de respostas
a escolha é a perda de algumas delas

que sejam as vísceras, a torre, os olhos ou os sonhos...
os dedos para contar e os lados para medir

foi a esta qualquer intenção que o diamante se deixou debilitar
não permitia ao corpo a emancipação do seu costume
e nem à intuição a rebeldia do seu sangue


paciência...

eram quatro ventos que lhe sopravam a mesma tentação,
porém cada qual em distinta direção.

cinemascope brilhante V

ele antevê o derrame da lua que se esvazia, e dissimula a noite orgânica em uma fantasmagoria visceral, percorrendo incessantemente o verbo que se desfaz na boca próxima, amortecida pelo seu éter de amante. a rompe feito uma matemática excessiva e depois sela o vazio com silêncio. o que transborda é habitado pelas licenças poéticas, foge aos nomes e às línguas...

ela o sente como o vento que bate a porta...

cinemascope brilhante VI

o vento que encerra a porta, abre arbitrariamente o livro na página do meio. são descritos ali os termos das abstrações. porém todas elas se concretizam em palavras e nenhuma imagem se faz. depois, a página que se vira se torna a ela mesma, como se a continuação fosse única e estagnada pela falta dela. são logo as abstrações eternizadas, contidas num gerúndio babilônico, tão redundantes que a nada se abstrai também.

cansada, ela contempla pela janela um tempo para a monotonia, a séculos de altura, vivenciando sempre a mesma paisagem, a daquele amor sem idade e nem consumo. quase acredita em um seguinte capítulo, talvez o de descer ao futuro onde encontraria o solo para os pés descansar, mas lá do alto pensa no céu, onde sua nostalgia parece mais genuína e a remete às imagens que subliminarmente tingem seus pensamentos quanto aos antigos capítulos.

cinemascope brilhante VII

no escuro, ela vislumbra por outros olhos algo que lhe pertence. é tarde quando o tempo canta a sua existência e penetra-lhe numa incessante intenção entre os sentidos, ansioso por desnaturar os tecidos da sua intolerante negligência. o seu corpo pede mais uma vez um pouco de reconhecimento, como se a insônia lhe obscurecesse o ar e arquitetasse um labirinto de tanta reflexão insólita. nenhuma sinuosidade lhe foi útil porque sempre se deparava com a mesma urgência, circundava em torno da monocromática inércia em busca do seu impreciso paradeiro.

no escuro, ela se espera sozinha, tateando o frio comprimento dos seus pêlos em espanto. nada lhe é mais visível do que a sensação que se causa agora, nem há outra graça além dessa nitidez tátil. ela, então, devora aqueles olhos para não esquecer o caminho que fizera até ali e se perde numa paz ensurdecedora.

logo, o cansaço a envolve para temperar a noite cúmplice que se adia, abotoando-lhe as densas pálpebras e conduzindo-a a silhueta de um sonho...

cinemascope brilhante 8

fugir do tempo era um beijo congelado, e a madrugada púrpura rebentou as hipóteses de um místico amor. mas este não cheirava feito o tempo, somente feria as concordâncias, todas ao frio do vazio, ante aqueles corações ardentes a derramar demasias de um grito sem lugar. quanto mais aquosos e pungentes, surtindo uma lisérgica ininterrupção, menos reparavam na condição do tempo perto de perder-se ao penetrar-se naquelas ânsias, feito integrante da matéria que lhes palpitou sem ruído.

fugir do tempo era perpetuarem-se náufragos, unidos por uma memória imprópria, e a inexistência pôde enfim tornar-se real, como a madrugada púrpura que nunca houvera. mas aquela simbiose ofegante, das vontades dos amantes, poetava-lhes os segundos seculares de que careciam.

ainda o faz...

domingo, janeiro 20, 2008

"onde morre a poesia?"

nada escapa à intenção do tempo, mesmo que os pés andem pelo chão e os dias pelos ares, a poesia permanece e é feito a lua... se hoje ela míngua, é porque ontem transbordou e, indubitavelmente, amanhã se renovará...

onde é só invenção...

cântico sem data VI

momento para concretizar
o que já é concreto,
viabilizar a impossibilidade
de ser o que já é...

cântico sem data V

São sete horas da noite e os ponteiros me servem de diagnóstico
É a vista que se turva para que outros reflexos me sejam favoráveis
Ainda reconheço as formas à minha frente
Mas onde estarei agora pincelando horas que me convém?
Percebi que o tempo não está ao meu lado
Foi este vento que bateu
E que ainda balança os pingentes de metal...
balança... balança...

cântico sem data IV

sinto por aquele sonho desinteressante...
tal qual fosse de papel e se borrasse com a ponta de idéia que se repete
um sonho de tédio!
sinto mesmo,
ainda desperta torno a usá-lo como esboço...

cântico sem data III

o penhor dos sentidos de agosto
confia o peito sobre a pedra irredutível e impalpável
do gozo ao desgosto
da rocha muda e perpétua
que confinada sob a carne omissa
aguarda a erosão de um segredo

cântico sem data II

estou captando a intuição subliminar...

e ela é explícita.

cântico sem data I

maneira de dizer, como os peixes me sobrevoam...
é o vento que os traz e logo os leva em retorno
instante de imperfeição
assim é como me parece a felicidade.