E ela fechou a janela para os morcegos não entrarem, porque nessas noites de verão a peste teima em entrar por qualquer brecha na sua vida. Sentou-se na mesa, os pés na cadeira e chamou por aquele que não se encontrava no quarto. Uma drosophila, no chão, parecia uma estrela, quase a confundiu com uma lantejoula que não brilhava. Pensou em colar estrelas nos cabelos, banhar-se de nebulosas se ainda pudesse. Porque em horas como essa, lembrava-se do que há do outro lado da janela fechada, ali o céu sempre estava ao seu alcance, quando deitada na cama encarava a lua, sua sereia apaixonada. E esperava o telefone tocar, como tocava aquele corpo seu livre da peste. Tocava sem sentir. Sem manusear, com as mãos ocupadas dos objetos pensativos, o telefone, a chave e a música que a contasse outra história. Em vão. Negaria se se perguntasse, mas em menos de meia hora já estaria do outro lado, na força de uma corrente, incoerente, fora da casa e de si.
sexta-feira, dezembro 17, 2010
A peste
sexta-feira, dezembro 10, 2010
Amor é irreversível.
Prendi-me à estética do princípio, no meu cinema. Mudo. Distraído. Agora furioso de palavra sem significado. Sensação de que tudo não passa de um ensaio para a existência que nunca chega. Em oito segundos acaba a eternidade.
sábado, outubro 23, 2010
le premiere bonheur de ma vie
no sonho, minha amiga e eu estávamos numa cidade labiríntica, diante de um longuíssimo mausoléu, talvez o cemitério mais antigo e maior do mundo, da história. espécie de egito na américa latina, méxico, machu pichu. mas outro lugar. a grécia. viagem do nosso imaginário. era noite. em casas simples e flores nos seus terraços. eu menstruava. em outra ocasião. alguém falava enquanto dormia, suspirava, murmurava o que não pode ser lembrado depois. na língua do imaginário. mas não me atenho ao sono alheio enquanto o meu ressoa bravo e patente. porque ele estava lá, le premiere bonheur de ma vie. no sonho. pedindo para que eu lhe dê uma forma. mas me recordo somente dos olhos dele virados para os meus. num sorriso de bom dia, princesa e suco de laranja. descubro, acordada, que o sonho é mais antigo que a cidade. e que o labirinto é o tempo. escorre para baixo o bendito tempo e ele diz que não habito mais o meu corpo, pois aquele já é outro.
sexta-feira, setembro 03, 2010
minha autoria
ela está matando o tempo com o amor alheio, vestida de veludo e céu para que as canções de sua cabeça sejam de um outro intérprete.
ela está matando o amor com o tempo alheio, despida de veludo e céu para que as canções de um outro intérprete sejam cravadas em sua cabeça.
ela está matando o céu com a canção alheia, encarcerada de veludo e amor para que o tempo devotado de sua cabeça seja de um outro intérprete.
ela está matando a canção com o céu alheio, liberta de veludo e tempo para que o amor descrente de seu intérprete seja de outra cabeça.
ela está matando o intérprete.
domingo, agosto 08, 2010
patrimônio#macondofeelings
porque ela nasceu, ele fez o mesmo. o pai dividia os seios da mãe com a menina nas noites de chuva, umidade relativa do ar 68%. quando não havia leite, ele cantava, e assim aprendiam a língua juntos. depois dos primeiros passos apontavam as estrelas no céu descobrindo seus nomes. Escorpião e Capricórnio. não havia outra infância tão antiga como a deles, quase perpétua nas tardes do parque de Shangrilá e nos saltos de Ícaro nas águas do aquário do grande peixe. e não havia músicas mais bonitas que as deles. não foram à mesma escola. o melhor professor era a imaginação, uma memória ancestral em comum. os dedos da menina com guache descreviam o que era sensação; os dele, com carvão, desenhavam o que amavam. o que ambos sentiam era a melhor forma de prestarem atenção no mundo, porque de impressão eles entendiam. textura de manhã, cor de água, som de mãe, sabor de dó. mas tão pequenos que eles eram, os olhos não lhes cabiam, por isso se perderam cada qual em seu jeito de procurar a pronuncia dos seus limites. e apesar de terem a mesma idade, o termo do tempo deu ao pai o cansaço da noite, e à menina o sangue apressado e inquieto das auroras insones. palavras a menos ou dores a mais lhos tornaram irmãos distantes, vontade de um pai mitológico que só os juntavam nas horas infantis, um passeio longo entre avenidas, pipocas temperadas com manteiga quando todos já dormiam, ou as teorias das origens dos significados. a imagem dos sentidos foi dando lugar à imagem dos sonhos de espera, um dia o pai disse à menina que acenderia um cigarro para que o ônibus chegasse mais depressa, e ela assim também o fez. o mundo teve que se desfazer de tantos trajetos para que depois que o ônibus os levasse, os trouxesse de volta, mas para um tempo quando o pai de barbas grisalhas escutasse atentamente com a filha de mãos secas o pôr do sol lhes contar que aqueles significados nasceram com eles. vamos tomar sorvete!
terça-feira, agosto 03, 2010
memória#macondofeelings
na casa dos avós não se ouvia um barulho que não fosse o do vento. os olhos de menina atenta procuravam o caminho que o fenômeno seguia, a rede do terraço balançava sozinha, o teto estralava em suas telhas firmes e qualquer porta mesmo fechada insistia em soar ser tocada. ela sabia que cresceria para entender o que faz tanto barulho, mas não se mostra, deveria ser maior do que ela, ou estar tão perto dela e por isso, então, invisível, como o dedo na ponta do nariz que ela não enxergava, mas sabia que lá estava. e se esse vento balançasse os seus cabelos, ela tinha arrepio... não é que o danado atravessava seu corpo e a sensação não era ruim! sorte minha que ele gosta de mim.
segunda-feira, agosto 02, 2010
segredo#macondofeelings
ela percebia tudo por uma janela mais ou menos real. a que permitia através ler e reler os lábios mudos da irmã mais nova. escondia-se por uma questão de tempo, talvez alguns meses de distância, e ainda talvez o dia mais próximo da cena inviável que presenciara. e aqueles lábios lá estavam entrecortando outros, que sabiam ser translúcidos, resolutos de uma língua particular, mas tão clara e pública que suporia ser sentença própria, saindo miraculosamente de sua cabeça. ela tinha a exata definição do que diziam naquele silêncio patético, na mira meticulosa de sua leitura faziam mais barulho quanto traíam a sua natureza. a mesma de se permitirem levianos, e de trazerem consigo o segredo dos meses até ela, a mulher dos olhos de um acaso em frente de uma janela mais ou menos real.
reencontro#macondofeelings
quando mirava o espelho e via outro rosto que não o seu, preocupava-se com o que as pessoas iriam dizer ao vê-la fora daquele quarto. nem mesmo a música do Dylan a faria crer que aquela outra no espelho fosse ela própria, mas de outro ângulo. só se fosse à perspectiva dos ponteiros do relógio que andam ao inverso. quando o tempo passa dificilmente se é a mesma. mas tentou ser a outra. mais uma vez tinha fugido mesmo, que mal havia de fantasiar que hoje era ontem? e não era uma fuga singela, era a fuga da fuga! da cidade para a aldeia, da aldeia para a cidade novamente, mas ali não deveria permanecer, assim que o sol acordasse os outros de lá, teria que ser mais rápida e fugir pela terceira vez! tinha consigo tantas chaves alheias que contavam mais que as suas. nenhuma. ainda bem que não estava nisso sozinha, o seu cúmplice era o desejo de querer ter o desejo de não estar sozinha. e ele estava lá com ela. e era visível também pelo espelho, sobre ela, dentro dela, oscilante e envolvente, como uma onda que arrasta e devolve o corpo para a praia. e se este desejo fosse mais agressivo, imprevisível, ela não teria que pensar sobre, a coisa andaria pelas próprias condições, porque ou se deixaria levar ou acabaria tombando entre as espumas da água do mar em ressaca. não admirava muito, mas concordava, sempre funcionava melhor sob pressão, que fosse sob mil atmosferas, ela não teria que pensar sobre. no dia seguinte, com as frestas de luz, acordou e viu ao lado o desejo ainda relutante, e de tanto fantasiar ser a outra, já a estava sendo. mas se fazendo companhia. na aldeia nada disseram à sua falta, forasteira que era, mas sentiram que ela voltou sem aquela com quem de lá saiu. como se o desejo insistisse ao corpo deixou a próxima fuga para o dia seguinte, porque ela mesma já tinha voltado para a casa na noite anterior.
quarta-feira, julho 28, 2010
fuga#macondofeelings
seca#macondofeelings
diz a lenda que quando os amantes vigiavam a lua plena, contavam causos da ciência e da metafísica para não desconsertarem o que ali havia. eram eles vigiados por outros mais amantes, deles. objetos de curiosidade intergaláctica... que substâncias esses humanos passionais costumam liberar quando fingem amar? dissimulavam a vida e a apoteose. ali sim escondiam o esquecimento quando tornavam mais aparente o risco da chuva que não caía. viviam de seca. rezariam se acreditassem, no entanto mais fácil era se concentrarem no limite entre o que era objetivo e o que se sentia subjetivo. ele e ela. existia ali aquele momento ou a velha lembrança. não havia tempo para os dois. algumas nuvens se apoderavam do discurso, faziam da lua um lugar mais distante, às vezes, quando percebiam o porque de estarem ali, os dois amantes, ela em sua parede, dizia ele, e ele em seu sonho, queria ela dizer. mas era tempo de desanuviar. a lua falava mais alto, lá de cima observava os amantes dos amantes igualmente. e ria muito mais alto, que suas gargalhadas embriagavam, entre as penumbras e as parcas nuvens, os amantes primeiros, que já nessa altura, ou profundidade, sabiam ser objetos. primeiramente, é necessário saber se são capazes de fingir amar?
sábado, julho 24, 2010
guerra#macondofeelings
na cidade, o tempo corria assim, homeopático e custoso, e os monarcas acreditavam que transitar por aquelas passarelas figurava um desafio à gravidade, as leis naturais nunca davam conta da demanda do que o povo, oniricamente, cultivava pelas esquinas. por isso, o guerreiro, com a lança apontada para a moça dos lábios vermelhos, esperava mais que um beijo épico, mas o que lhe era prometido, a noite de luar, cuja ela havia guardado, enterrado bem longe daquela terra para outro cuidar. em véspera de lua cheia, prematuramente, as semeaduras avançavam em raízes e ramos, numa progressão fora de seu normal, e a tal da noite, cobiçada e remota, despontava já no horizonte reluzente, porém longínquo. não vês que me preteres? e a moça docilmente limpou os seus lábios vermelhos na boca do guerreiro contrariado. mesmo não sendo épico, o beijo permaneceu durante toda a guerra selado, e foram necessárias centenas de editores para montar e desmontar os sonhos da cidade para que aquelas terras não se metamorfoseassem, em noites de lua cheia, de pesadelos que os homens construíram em eras numa só lua. mas até que ela se enchesse, a véspera foi atravessada por três minutos em 1.440 quadros por segundo. o beijo foi a melhor saída para que a moça, agora dos lábios pálidos, distraísse o guerreiro e a raiz da sua noite de luar particular não fosse arrancada. por um close up, ela sentiu uma semente de arrependimento, como se tivesse com aquele selo compartilhado da luz daquela noite com o guerreiro beijado, que de súbito haveria de reavê-la, já maculada pelo ato, e não teria ilusão mais cruel para aquele homem diante dela crer na possibilidade de possuí-la como prometido. mas num majestoso plongé, a moça dos lábios pálidos tirou a semente do seu pensamento e a jogou para o alto, sumindo no quadro com um gesto apressado. entrou rapidamente pela porta de sua casa pela subjetiva do guerreiro, que montou em seu cavalo num imponente contra plongé e seguiu seu caminho pelo plano sequência de outra batalha de sonho. corta!
sexta-feira, julho 23, 2010
esboço#macondofeelings
terça-feira, julho 20, 2010
essas pessoas-gato são ocupadas em procurar e violar a noite como se afiassem as unhas nos dorsos da pelúcia amante, aquela que de hora em hora deita os olhos sobre o tempo de espera. não procura. é presa. sem pressa de ser degustada. porque essas pessoas-gato são precisas em percorrer dentre as minúcias como a amante que prefere que o sangue escorra demoradamente. todo detalhe brinda o elo que se faz mais intrínseco. nada mais perdura que a dependência entre as partes. são correspondências plausíveis de serem unas. da mesma dor de amar e morrer em demasia, gêmea das manhãs que apagam a história, e a perda é um precoce sentimento que de em reverso nasce à falta. mas as pessoas-gato são esparramadas em chão íngreme, derretem-se à luz do que sentem, permanecem rasas enquanto indecisas entre pessoa e gato. é o que acontece quando o escuro é também um suave tormento, silencioso como um sonho que segreda a vontade do estrondo.
segunda-feira, julho 05, 2010
domingo, maio 23, 2010
retenha-me
terça-feira, abril 27, 2010
em toda noite de desconcerto, eu fecho os olhos e silencio mais um século até que todas as noites se quebrem em pedaços menores. quanto mais desconserto menos perguntas estúpidas me faço. aqui fica muito obvia toda noite de discordância. quanto menos me peço menos me dou. e mais ilesa permaneço. não, mentira...
quarta-feira, março 17, 2010
domingo, fevereiro 28, 2010
pois que minha fonte concede
água que transborda crua
e leve inteireza de
prestar plena às longas
vias que parto
um sorriso raro em cada
manhã
pois que as programo infantis
eu, mulher de cera
depois das velas esboçadas em
âmbar
não pereço às luzes, nem me
desfaço à sorte
sinto em nada a perda que
faísca
corro os dedos a deitar à sombra
pois que minha pressa
não tem tempo
como a pedra de gelo no oceano
calado como minha ânsia
de faz de conta terminando
a página de um caderno
que sempre terá um espaço em
branco.
28/02/2009
sexta-feira, fevereiro 26, 2010
A Casa.
A Casa do corpo pediu socorro. Letra maiúscula porque ela é própria. Propriedade devida. Bastou de jejuar. Dei-lhe alimento. Dois pratos de macarrão com molho de tomate. Já era meia noite. Enquanto eu penso, ele existe. O Corpo. Às vezes ele sente. Vontade de correspondência. Queria mimá-lo como se ele fosse meu gato de estimação. Acariciá-lo a barriga, coçar-lhe o pescoço e dar leite todas as vezes que fizesse manha. Mas sua dependência o impede de ser meu gato de estimação. Nossa relação é quase sexual, ele na sua forma animada de mulher, curvilínea e quase sedutora, e eu, amorfa consciência inteligente, contraditória e quase determinada, vivemos um embate curioso em direção a uma simbiose que nos faça única. Seria um casamento ideal se não fôssemos quase. Eu desconfio do Corpo, e ele se desmantela na minha imprudência. Em verdade, somos dois inconseqüentes. Ele e eu. Mas Eu não admito. E muitas vezes, não o admito. Preguiçoso que é, segue os mesmos passos que eu planejo. Culpo-o de não ter a minha consciência? Seria mais fácil. Descontar nele o que não posso pelos dois. Ele executa o que mando, exceto as vontades próprias, as animalescas, das quais muitas vezes me convence antes mesmo que eu as atine. Por isso desconfio dele. Não é sedução, é cópula.
segunda-feira, fevereiro 22, 2010
domingo, fevereiro 14, 2010
quem emite o quê.
um hábito de se concentrar em sons. sua voz, dedos, água. parar de atuar como um grave, dar incidência a um fino ai... neste ritmo em que o sangue transborda, sentimos aquele músculo batendo em suas paredes todas as pressões intencionadas, resta uma gota baixa.
toca-se o chão, não a corda.
você ouve a que batida? o som continua adiante, nossos pés, nossos cotonetes... ninguém vai ouvir mais alto do que você. teria trazido o silêncio do surdo, mas a correnteza haveria de levar consigo qualquer incerteza, que se emudecia.
um ato sonoro perdia sua direção e meus sussurros atravessavam a janela. chegariam a afinar o atrito de outras gotas... mas não ouse a girar o botão. o problema nunca foi...
...O VOLUME.
14/12/2000
eu e o poeta
olhos pelas frases... que engraçado, achei que me olhava pelo espelho. que esperança... minha boca em seus versos ficaram como frases nos meus olhos... que perdida memória esta que haveria de não existir, a não ser pela boca alheia. a musa que não sou com a mesma nostalgia de querer inspirar bocas e línguas em nós presentes. que entusiasmo? aquele desejo não sai em cores pelas linhas; “diga-me, toca-me”, mas e as rimas? nossas silhuetas estão em suas mãos... desaparecem com a luz acesa. quem? eu e o poeta.
21/02/2001
quinta-feira, fevereiro 11, 2010
era de peixes
quarta-feira, fevereiro 10, 2010
chá verde
hoje, ao final da tarde, estive eu desenhando os desconhecidos ao redor, sentado à mesa do bar preferido da rua augusta. e ela era uma ruiva só, sob os óculos escuros e os fones de ouvido submerso numa rua augusta que alguém jamais descreveria. espalhou-se pela mesa, nos objetos e nos hábitos de quem está de passagem ou à espera do que não vai chegar. acendeu um cigarro de filtro amarelo e pediu o telefone do sujeito da mesa vizinha... clarice foi quem atendeu... quer-lhe encontrar, mas ela não sabe se é clarice quem espera. se estivesse mesmo naquela esquina da augusta, ela encontraria qualquer um, mas a ruiva parecia imitar seus próprios gestos, sempre como num deja-vù de tudo o que é e fez. desenhei-lhe porque ela é imperfeita, porque se reveste de uma ânsia silenciosa e tinha sobre a mesa um guarda-chuva verde. ela foi uma cena de cinema que ela mesma provavelmente escreveria, quieta em preto e branco, revelando somente as cores do seu cabelo e do guarda-chuva.
13/03/08
quinta-feira, fevereiro 04, 2010
monólogo sem plateia
sexta-feira, janeiro 29, 2010
ludíbrio
quanta besteira a lua me fala, despudoradamente, ao pé do ouvido, que sou princesa sua, com a boca velada num selo, sêco o beijo; promessa de que toda sou, plena feito ela, feito as musas de cera, de mel e pólen e carne; ouvi dizer que arrancaria meu coração e o comprometeria à tempestade, de ferro e infrequentável, o vento sem medida; não sou fogo nem água, não falo nem penso. sou o silêncio desse vento só.